GLOBALIZAÇÃO E MEIO AMBIENTE
Abertura de mercados ao comércio internacional, migração de capitais, uniformização e expansão tecnológica, tudo isso, capitaneado por uma frenética expansão dos meios de comunicação, parecem ser forças incontroláveis a mudar hábitos e conceitos, procedimentos e instituições. Nosso mundo aparenta estar cada vez menor, mais restrito, com todos os seus cantos explorados e expostos à curiosidade e à ação humana. É a globalização em seu sentido mais amplo, cujos reflexos se fazem sentir nos aspectos mais diversos de nossa vida.
As circunstâncias atuais parecem indicar que a globalização da economia, com todas as suas conseqüências sociais e culturais, é um fenômeno que, no mínimo, irá durar. O fim da bipolaridade ideológica no cenário internacional, a saturação dos mercados dos países mais ricos e a ação dos meios de comunicação, aliados a um crescente fortalecimento do poder das corporações e inversa redução do poder estatal (pelo menos nos países que não constituem potências de primeira ordem) são apenas alguns dos fatores que permitem esse prognóstico. O meio ambiente, em todos os seus componentes, tem sido e continuará cada vez mais sendo afetado pelo processo de globalização da economia.
Os impactos da globalização da economia sobre o meio ambiente decorrem principalmente de seus efeitos sobre os sistemas produtivos e sobre os hábitos de consumo das populações. Alguns desses efeitos têm sido negativos e outros, positivos.
Está havendo claramente uma redistribuição das funções econômicas no mundo. Um mesmo produto final é feito com materiais, peças e componentes produzidos em várias partes do planeta. Produzem-se os componentes onde os custos são mais adequados. E os fatores que implicam os custos de produção incluem as exigências ambientais do país em que está instalada a fábrica. Este fato tem provocado em muitos casos um processo de "migração" industrial. Indústrias são rapidamente montadas em locais onde fatores como disponibilidade de mão-de-obra, salários, impostos, facilidades de transporte e exigências ambientais, entre outros, permitem a otimização de custos. Como a produção de componentes é feita em escala global, alimentando indústrias de montagem em várias partes do mundo, pequenas variações de custos produzem, no final, notáveis resultados financeiros.
O processo de migração industrial, envolvendo fábricas de componentes e materiais básicos, pode ser notado facilmente nos países do Sudeste Asiático e, mais recentemente, na América Latina. São conhecidas as preocupações dos sindicatos norte-americanos com a mudança de plantas industriais - notadamente da indústria química - para a margem sul do Rio Grande. O fortalecimento da siderurgia brasileira, além, é claro, de favoráveis condições de disponibilidade de matéria-prima, pode ser, em parte, creditado a esse fenômeno.
Há uma clara tendência, na economia mundial, de concentrar-se nos países mais desenvolvidos atividades mais ligadas ao desenvolvimento de tecnologias, à engenharia de produtos e à comercialização. Por outro lado, a atividade de produção, mesmo com níveis altos de automação, tenderá a concentrar-se nos países menos desenvolvidos, onde são mais baratos a mão-de-obra e o solo e são contornadas, com menores custos, as exigências de proteção ao meio ambiente.
Essa tendência poderá mascarar o cumprimento de metas de redução da produção de gases decorrentes da queima de combustíveis fósseis, agravadores do "efeito estufa", pois a diminuição das emissões nos países mais ricos poderá ser anulada com o seu crescimento nos países em processo de industrialização.
Outro fator que tem exercido pressão negativa sobre o meio ambiente e que tem crescido com a globalização da economia é o comércio internacional de produtos naturais, como madeiras nobres e derivados de animais. Este comércio tem provocado sérios danos ao meio ambiente e colocado em risco a preservação de ecossistemas inteiros.
A existência de um mercado de dimensões globais, com poder aquisitivo elevado e gostos sofisticados, é responsável por boa parte do avanço da devastação das florestas tropicais e equatoriais na Malásia, Indonésia, África e, mais recentemente, na América do Sul. A tradicional medicina chinesa, em cuja clientela se incluem ricos de todo o mundo, estimula a caça de exemplares remanescentes de tigres, rinocerontes e outros animais em vias de extinção. Mercados globalizados facilitam o trânsito dessas mercadorias, cujos altos preços estimulam populações tradicionais a cometerem, inocentemente, crimes contra a natureza.
Na agricultura e na pecuária, a facilidade de importação e exportação pode levar ao uso, em países com legislação ambiental pouco restritiva ou fiscalização deficiente, de produtos químicos e técnicas lesivas ao meio ambiente, mas que proporcionam elevada produtividade a custos baixos. É o caso, por exemplo, de determinados agrotóxicos que, mesmo retirados de uso em países mais desenvolvidos, continuam a ser utilizados em países onde não existem sistemas eficientes de registro e controle. Os produtos agrícolas e pecuários fabricados graças a esses insumos irão concorrer deslealmente com a produção de outros países.
A medida mais eficaz para evitar ou minimizar os efeitos deletérios dessas e de outras conseqüências da globalização sobre o meio ambiente seria a adoção, por todos os países, de legislações ambientais com níveis equivalentes de exigências. O fortalecimento das instituições de meio ambiente, principalmente dos órgãos encarregados de implementar e manter o cumprimento das leis, é igualmente fundamental. Para isto, seriam necessárias, além de ações dos governos dos países em desenvolvimento, assistência econômica e técnica das nações mais ricas.
Estas são preocupações expressas em vários documentos, como a Agenda 21, resultante da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. No entanto, interesses econômicos imediatos, aliados ao grave problema do desemprego, que hoje assola boa parte do mundo, têm dificultado o avanço de acordos e ações efetivas nesse sentido.
A globalização da economia, pelo menos na fase de transição que impõe a todos os países, cria um contingente de mão-de-obra desativada, via eliminação de empregos em setores nos quais o país não consegue competir. O estímulo à mecanização da agricultura, dispensando mão-de-obra, por outro lado, acelera o êxodo rural. Essa massa de excluídos do processo de integração da economia acaba por provocar grave degradação ambiental, principalmente no ambiente urbano, criando invasões de áreas não urbanizadas e favelas. A degradação do ambiente urbano - destruição de atributos naturais, poluição da água, perturbações da segurança e da saúde pública, prejuízos na estética urbana, etc.- resulta na perda da qualidade de vida, tanto dos novos como dos antigos moradores urbanos. O ressurgimento de epidemias e endemias supostas extintas é um dos ângulos mais visíveis desta questão.
Para uma transição menos traumática para uma economia globalizada, a sociedade deveria estar disposta e preparada para prover condições mínimas de subsistência aos que, provisória ou definitivamente, não se adaptassem às novas condições de acesso ao mercado de trabalho globalizado. Seria o preço a pagar pela tranqüilidade pública, por usufruir os benefícios materiais que a nova ordem econômica pode trazer àqueles mais aptos a obter os bens de consumo, o luxo, a comodidade e o conforto material que o sistema capitalista pode prover. Sem essa disposição da sociedade em dividir resultados, o meio ambiente como um todo sofrerá graves conseqüências, afetando profundamente nossas vidas e comprometendo o nosso futuro.
Mas a globalização da economia oferece também perspectivas positivas para o meio ambiente. Até pouco tempo era comum a manutenção, até por empresas multinacionais, de tecnologias ultrapassadas em países mais pobres e com consumidores menos exigentes. A escala global de produção tem tornado desinteressante, sob o ponto de vista econômico, esta prática. É o caso, por exemplo, dos automóveis brasileiros. Enquanto a injeção eletrônica era equipamento comum na maior parte do mundo, por aqui fabricavam-se motores carburados, de baixa eficiência e com elevados índices de emissão de poluentes. Com a abertura do mercado brasileiro aos automóveis importados, ocorrida no início desta década, a indústria automobilística aqui instalada teve que se mover. Rapidamente, passou-se a utilizar os mesmos motores e os mesmos modelos de carrocerias usadas nos países de origem das montadoras. É claro que isto causou impacto sobre a indústria nacional de autopeças, pois uma grande quantidade de componentes, principalmente os mais ligados à eletrônica, passaram a ser importados, o que antes não era possível, dado o caráter fechado que até então dominava o nosso mercado interno.
Os efeitos sobre a emissão de poluentes dos veículos foi notável. Dados da CETESB e da ANFAVEA mostram que os automóveis fabricados em 1996 emitem cerca de um décimo da quantidade de poluentes que emitiam os modelos fabricados em meados da década de 80. Os efeitos não são ainda notados na qualidade do ar das grandes cidades, porque a maior parte da frota de veículos em circulação é antiga, com sistemas precários de regulagem de motores.
O mesmo efeito sentido na indústria automobilística estende-se a uma gama de outros produtos, como os eletrodomésticos. A globalização da produção industrial está levando à rápida substituição do CFC, em refrigeradores e aparelhos de ar condicionado, por gases que não afetam a camada de ozônio. Isto está ocorrendo em todos os países, pois não é interessante, economicamente, a manutenção de linhas de produção de artigos diferenciados de acordo com os países que os vão receber.
Outro efeito positivo da globalização da economia sobre o meio ambiente é a criação de uma indústria e de um mercado ligados à proteção e recuperação ambiental. Nesta lista incluem-se equipamentos de controle da poluição, sistemas de coleta, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos e líquidos, inclusive lixo e esgoto urbanos, e novas técnicas de produção. São setores que movimentam fortes interesses econômicos, os quais acabam por influenciar os poderes públicos para que as leis ambientais sejam mais exigentes e haja instituições mais eficientes para torná-las efetivas.